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sábado, 11 de fevereiro de 2012

REFLEXÃO DAS LEITURAS DO 6º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A reflexão é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 6º Domingo do Tempo Comum (12 de fevereiro de 2012). A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referências Bíblicas:
1ª leitura: Lv 13, 1-2. 45-46
2ª leitura: 1 Co 10, 31-11, 1
Evangelho: Mc 1, 40-45
É triste contatar que todas as sociedades humanas tiveram e têm ainda seus excluídos, seus párias, seus intocáveis. Será que nós não temos os nossos também hoje? No antigo Israel, como em outras épocas e embaixo de outros céus, eram simplesmente os leprosos os que representavam essa categoria de malditos. É evidente que eles confundiam todas as doenças da pele com a lepra, o que a medicina atual saberia bem diferenciar... Além do mais, como a doença era considerada um castigo divino e a lepra representava um aspecto repugnante, existia uma punição dupla para os leprosos: eles sofriam de uma impureza moral e religiosa, mas também social. Porém, atualmente, não é porque a lepra seja mais estudada e melhor cuidada, que não temos os nossos pesteados, nossos marginais e excluídos, na nossa sociedade e na nossa Igreja. O teólogo francês, Jean Perron escreve: “Os hipócritas, os hipócritas que somos nós mesmos, sempre tiveram necessidade de poder catalogar alguém de impuro, para convencer-se que eles mesmos não o são”. Ainda hoje, nós temos nossos leprosos, e isso reconforta sempre os hipócritas da religião e da política. A partir dos textos da Palavra de hoje, que ensinamentos podemos tirar?
1. Transgredir a Lei: No livro do Levítico, que temos hoje na primeira leitura, apresenta-se o homem atingido pela lepra como um intocável, um morto-vivo. Esse homem perdia toda a sua dignidade humana. Chamavam-no pelo nome da sua doença: o leproso. No evangelho de hoje, São Marcos começa dizendo: “Um leproso chegou perto de Jesus“ (Mc 1, 40). O enfermo de lepra perdia todos os seus bens, sua casa, as suas pertenças... Devia morar fora da cidade ou do povoado: “Viverá separado e morará fora do acampamento” (Lv 13, 46). Além do mais, ele não podia mais entrar em contato com os outros: a sua esposa, seus filhos, seus pais, seus amigos... Quando uma pessoa não tem mais contato com ninguém, é um morto-vivo. E, para ter certeza de que ninguém se aproximaria de um leproso, ele devia andar “com as roupas rasgadas e despenteado, com a barba coberta e gritando: «Impuro! Impuro!” (Lv 13, 35). E, para evitar todo contato com um leproso, ele devia levar uma campainha no pescoço para advertir que ele estava no entorno.  A lei proibia severamente o leproso de abordar alguém e, se ele se aproximava de alguma pessoa deixava-a impura.
Então, vejam que no evangelho, há uma infração: um leproso enfrenta a lei aproximando-se de Jesus: “pediu de joelhos: ‘Se queres, tu tens o poder de me purificar’” (Mc 1, 40). É todo um ato de fé; ele se confiou à vontade de Jesus: “Se queres”. Além do mais, ele não pede a cura, mas somente a purificação, isto é, a reinserção, a inclusão na comunidade. O leproso quer recobrar a sua dignidade humana. Mas, há outra coisa: o evangelho de Marcos nos diz que Jesus também transgride a lei: “tocou nele e disse: ‘Eu quero, fique purificado’” (Mc 1, 41). É a purificação instantânea, e assim, a inclusão na comunidade. “No mesmo instante a lepra desapareceu e o homem ficou purificado” (Mc 1, 42). Transgredindo a lei da exclusão social e religiosa, aquele que era identificado pelo seu mal: o leproso, se tornou alguém: o homem. Isso significa que a exclusão desumaniza. O excluído se torna objeto a jogar ou a evitar. O contato com outro ser humano lhe fez reencontrar a sua dignidade; se tornou um homem.
Segundo a regra da época, Jesus envia-o para lhe mostrar ao sacerdote, pois são os sacerdotes os que podem reintegrar às pessoas excluídas da comunidade (Mc 1, 44). E mesmo se Jesus lhe adverte severamente (Mc 1, 43), o homem não se preocupa da recomendação e se torna missionário do evangelho, da Boa Notícia da Salvação trazida pelo Cristo ressuscitado (Mc 1, 45)... De maneira que, agora, é Jesus que se torna leproso, isto é, impuro, rejeitado e excluído. São Marcos escreve: “Jesus não podia mais entrar publicamente numa cidade: ele ficava fora, em lugares desertos” (Mc 1, 45). Por outro lado, o evangelista acrescenta: “E de toda parte as pessoas iam procurá-lo” (Mc 1, 45).
2. Entrar no coração de Deus: O episódio do evangelho de hoje nos diz algo do coração de Deus. Jesus se moveu pela compaixão, isto é, ele ficou emocionado até as entranhas. Ele quer purificar o leproso. Ele estende a mão e o toca. O amor vira as leis. Jesus recria a relação que a Lei tinha rompido. Ele demonstra a sua misericórdia. Toma sobre si o sofrimento do outro. É a única maneira de curar. E para demonstrar que há, de fato, inclusão e reinserção na comunidade, Jesus pede para o leproso cumprir as prescrições de lei: “Não conte nada para ninguém! Vá pedir ao sacerdote para examinar você, e depois ofereça pela sua purificação o sacrifício que Moisés ordenou” (Mc 1, 44). E o evangelista acrescenta: “para que seja um testemunho para eles” (Mc 1, 44).
Em poucas palavras, o evangelista Marcos demonstra o que pode fazer o amor em toda a sua gratuidade. Quando se exprime como compaixão e misericórdia, a cura é, não somente possível, mas automática, e ele se torna testemunho para os outros; de maneira que o homem curado se torna discípulo, missionário: “Mas o homem foi embora e começou a pregar muito e a espalhar a notícia” (Mc 1, 45). Será que não é o São Paulo que nos pede para fazer como ele na segunda leitura, hoje, quando ele nos diz: “Façam como eu, que me esforço para agradar a todos em todas as coisas, não procurando os meus interesses pessoais, mas o interesse do maior número de pessoas, a fim de que sejam salvas” (1 Co 10, 33). E por que tomar Paulo como modelo? Simplesmente porque seu modelo próprio é Cristo, e o Cristo que nos salvou e nos curou de todas as nossas feridas e as nossas exclusões.
Cristo acolheu todas as enfermidades e todos os excluídos sem exceção. Ele nos convida a fazer a mesma coisa. Para chegar a isso, precisa simplesmente de Amor. O exegeta francês Jean Debruynne escreve:“Para Jesus, o Amor que ama é sempre capaz de transgredir todas as proibições. O Amor será sempre mais forte que a regra, Sempre mais urgente que a regra. Quando ele encontra esse leproso em São Marcos, é um excluído que Jesus encontra. Mais do que uma doença médica, a lepra era vivenciada na época como uma enfermidade social. O leproso, como o doente de AIDS dos nossos dias, é um ser rejeitado pela sociedade. Jesus o reintegra e lhe recomenda claramente de não esquecer os passos a fazer para que seja reintegrado com a assinatura dos sacerdotes. Fica evidente que a misericórdia de Jesus não é uma cura, mas um nascimento”. No fundo, incluir, reintegrar, liberar, despertar a esperança de alguém por Amor, é dar-lhe de novo a vida, é fazê-lo renascer.
3. Aceitar pagar o preço do Amor: O preço do Amor é, infelizmente com bastante freqüência, a cruz, e ela se manifesta necessariamente. No evangelho, pelo fato de que Jesus deixa o leproso se aproximar dele, e mais ainda, que o toque e o purifique, Jesus se torna leproso por sua vez, isto é, rejeitado pelos outros. O que significa que Cristo, nos curando, carrega sobre si as nossas doenças, as nossas enfermidades, as nossas feridas, os nossos pecados. Como cristãos, discípulos de Cristo, nós somos convidados a fazer como ele, a liberar as pessoas feridas e a lhes devolver a dignidade, sob o risco de perder a nossa. Mas o Amor deve ir até lá. Por outro lado, não há que ter medo, pois o evangelista conclui dizendo: “E de toda parte as pessoas iam procurá-lo” (Mc 1, 45).
Para concluir, eu gostaria simplesmente de citar um comentário do francês Michel Viot, sobre este tempo litúrgico que chamamos comum, mas que não tem nada de comum: “A força de deixar de lado os leprosos de todos os gêneros, fizemos deles pessoas marginais... Os leprosos são proibidos de serem acolhidos assim como de serem saudados. Mas o próprio Jesus tem a audácia hoje de tocar o intocável. Isso acontece no sexto domingo que chamamos comum. Comum, vocês falam? Será que é comum tocar os reclusos? É comum tornar novo esse homem em sursis? Vamos lá, então! Todo é extraordinário neste domingo. Nada é como sempre. Nada é feito segundo as regras. Jesus o toca e está proibido. Jesus o envia para voltar à comunidade dos vivos e está proibido. É o sinal evidente de um mundo novo que nasce. É dar novamente um rosto humano a todas as proibições do coração, aos recalcados de toda parte, aos desocupados, aos aidéticos, às pessoas com necessidades especiais, aos divorciados, aos homossexuais, aos imigrantes... O Amor faz essas coisas!”.

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